sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O MITO DAS OLIMPÍADAS

RUI RAIOL

O Brasil é um país interessante. Com uma dívida social astronômica, luta bravamente para sediar importantes torneios esportivos. Primeiro, a Copa. Agora, as Olimpíadas. Juntos, vão concentrar uma década de trabalho e vultosos recursos públicos. A justificativa? Uma só: eventos internacionais desse porte são capazes de alavancar o país. Haverão de gerar milhares de empregos e acelerar o processo de urbanização. Obras que não cabem nos recortados orçamentos dos estados poderão nascer pelo milagre do esporte. À primeira vista, um argumento imbatível. Na verdade, um edifício de ideias alicerçado na areia.

Comecemos pelas proclamadas obras: elas não são planejadas para os habitantes das cidades que sediarão os jogos. Estádios, linhas de metrôs e complexos habitacionais visam atender apenas ao evento. São edificados para conforto da população flutuante que dividirá o território das cidades com sua população real durante os jogos. Findo estes, poderão ficar subutilizados, luxo que um país em débito com seu povo não deveria assumir.

Se você quiser um bom exemplo dessa contradição, veja o lugar que as favelas tiveram na propaganda oficial do Rio e nas melhorias anunciadas. Mesmo tendo parte significativa de sua população sobrevivendo nas escarpas da Serra do Mar, esse povo não será beneficiado diretamente pelo evento de 2016. Embora as ruelas dos morros façam festa com a escolha oficial, não é para elas que é destinado o progresso esportivo. A esse povo, cabe o grito, o ingresso caro, a bebida superfaturada à porta dos estádios. Cabe a festa. Nada mais. As favelas, omitidas no documentário oficial mostrado ao Comitê Olímpico Internacional, permanecerão anônimas ao progresso que emocionou tanto o presidente Lula.

Do ponto de vista da geração de empregos, também uma medida paliativa. Embora não desprezível a oferta, operários da construção civil e agentes de turismo devem estar cientes da eventualidade esportiva. Milhares ficarão desempregados depois. Encerrados os torneios, o mercado remanescente do esporte entrará numa fase de acomodação. Em 2026, longe do glamour esportivo, o Brasil vai conferir o saldo. E verá que se gastou muito. Muito para ornamentar uma cidade fictícia. Continuaremos sem escolas decentes e com professores mal remunerados. O salário continuará mínimo para a maioria. Brasileiros ainda morrerão nos corredores fétidos de hospitais de fachada. Médicos continuarão a ganhar infinitamente menos que milionários astros do esporte. Talvez por isso moradores de Chicago não queriam as Olimpíadas. Eles preferem o contrário.

26 bilhões de reais. Esse é o orçamento mínimo que o Brasil vai desembolsar apenas com as Olimpíadas. É quanto tem em reserva o país do desmatamento, dos milhares de meninos condenados nas ruas. É quanto tem no bolso a nação do crime organizado e da polícia sucateada. É a reserva de uma nação que esconde suas favelas.
Nada contra o esporte. Mesmo sem apoio oficial, ele tem sido ao longo das décadas um porta-voz da pujança deste Brasil. O que dói é ver que muito pode ser feito quando há vontade política. Constatar que existe recurso para investir. E que esse investimento é para um evento, não para os brasileiros. Dói ver que muitos ainda se contentam com a política do pão e circo. Mais circo, pois, desde o regime militar, esperamos que o bolo cresça para depois ser dividido. Vinte anos depois da Constituição democrática, direitos fundamentais ainda são ficção no Brasil. Não muito diferente da antiga Grécia escravista. Mas, ao contrário dos deuses gregos, temos necessidades reais. Não vivemos no Olimpo.

RUI RAIOL é pastor e escritor
Mais artigos: www.ruiraiol.com.br

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